O setor de bares e restaurantes trabalha na criação de um marketplace de serviços de entrega, ou “delivery”, em parceria com grandes empresas de tecnologia e do varejo. Os objetivos são enfrentar o domínio dos aplicativos de entrega, que cobram taxas consideradas elevadas, e ter uma plataforma que ajude a organizar os pedidos dos clientes.
As discussões são lideradas pela Abrasel, mas envolvem também pesos-pesados de outros setores. O presidente da entidade, Paulo Solmucci, afirma que nomes como Magazine Luiza, Rappi e empresas de automação comercial participam das conversas e devem embarcar no projeto, batizado de “open delivery”.
A ideia é que a Abrasel desenvolva uma plataforma centralizada na qual restaurantes de todo o país poderão se cadastrar e se conectar com os prestadores de operações de delivery que desejarem, cada um com suas taxas e propostas de serviços. Quando o consumidor procurar um estabelecimento ou prato por meio de um mecanismo de busca ou no site de uma rede varejista, ele receberá na sua tela todas as opções de entrega e preço disponíveis para aquela refeição e selecionará a que preferir.
Caberá à empresa escolhida fechar a venda e fazer a entrega, cobrando do restaurante a taxa acordada previamente entre eles. Ou seja, se o cliente optar por comprar uma refeição, por exemplo, do Magazine Luiza, a entrega será de responsabilidade da varejista. “O vendedor vai ter que ter a logística, seja ela própria ou de terceiros”, diz Solmucci.
O setor também vem mantendo conversas com o Banco Central (BC) para integrar a plataforma ao Pix. O projeto prevê que o sistema utilizado não apenas como uma opção de pagamento para o consumidor, mas também como ferramenta de mensageria para enviar os pedidos. O presidente da Abrasel diz já ter apresentado a ideia a representantes do Banco Central, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do Ministério da Economia sobre o “open delivery”.
“Hoje, temos um ambiente bem oligopolizado. Os restaurantes têm dificuldades para atender os pedidos que chegam de apps diferentes e isso, na prática, reforça o monopólio”, diz Paulo Solmucci. Foto: Danilo Viegas
A associação, que reúne unidades de restaurantes como Andiamo, Adega Santiago, Belmonte, Peccorino e Spoleto, é conhecida por sua postura atuante em pautas pró-competição. Mais de uma vez, já apelou ao Cade contra a atuação verticalizada dos grandes bancos. “Estamos fazendo um movimento a favor da concorrência.
Na pandemia, alguns países tabelaram as taxas cobradas pelos apps, mas nós somos contra”, afirma Solmucci. “Tem muita gente grande querendo entrar no mercado de delivery e outros que querem atuar de forma regional, onde os aplicativos não chegam. Queremos criar uma padronização das informações para melhorar o serviço e a abrangência.”
De acordo com o presidente da Abrasel, ainda não está claro quanto a iniciativa pode representar de economia para o setor. Os aplicativos de delivery cobram taxas de 15% a 27% sobre cada transação. O percentual depende dos serviços incluídos (taxas de cartões, logística e outros).
A intenção é que, por meio de uma plataforma organizada, sejam criadas condições para atrair mais competidores e, com isso, reduzir os custos de operação. Outro objetivo é que a plataforma funcione, para os restaurantes, como um repositório de pedidos recebidos dos diversos aplicativos e sites de e-commerce, ajudando na retaguarda. Com a proliferação dos apps, uma dificuldade apontada pelos estabelecimentos é gerenciar e organizar as solicitações, já que chegam por meio de diversas fontes.
“Hoje, temos um ambiente bem oligopolizado. Os restaurantes têm dificuldades para atender os pedidos que chegam de apps diferentes e isso, na prática, reforça o monopólio”, diz. Por isso, além da expectativa de redução de taxas propriamente dita, o projeto também visa uma diminuição dos custos relacionados a esse gerenciamento.
Como o bar ou restaurante enxergará todos os pedidos dos clientes em uma só plataforma, já organizados, ficará mais fácil evitar perdas. A Abrasel pretende montar ainda neste ano grupos de trabalho para cuidar das questões de tecnologia, regulação, compliance e logística.
Definidos os princípios de governança e padronização, a plataforma será, então, desenvolvida – o que é previsto para 2021. A iniciativa, se for adiante, é um exemplo de como os segmentos de varejo, serviços e pagamentos estão se entrelaçando. Com a digitalização, há uma tendência crescente das empresas de oferecerem a seus clientes uma “jornada” completa, da escolha do produto ao pagamento.
Com lançamento marcado para a próxima semana, o Pix deve acelerar essa aproximação. Ao mesmo tempo, o mercado de refeições talvez não interesse a rede varejistas ou empresas de tecnologia como um negócio em si, mas como uma ferramenta valiosa para conhecer melhor os hábitos de seus consumidores. Procurados, Magazine Luiza e Google não se manifestaram até o fechamento desta edição.
O Banco Central afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que a “tecnologia e a mensageria utilizadas no Pix possibilitam que informações agregadas trafeguem junto com a ordem de pagamento, dando espaço para inúmeras inovações”. Porém, o regulador disse não haver ainda negociação sobre esse uso específico.
Fonte: Valor Econômico